Quando ganhou seu primeiro relógio nunca imaginou que sua
vida mudaria tanto. Era ainda uma criança, pouco preocupada com o transcorrer
dos dias e das horas, mas depois do relógio, tudo mudou. O deslizar dos
ponteiros, de forma sorrateira e rítmica, passou a dominar suas mente e, como
consequência, adquiriu o hábito bizarro de cronometrar em pensamento cada
comportamento seu.
Antes disso, porém, o encantamento com a máquina o fez
passar cinco dias seguidos com o olhar fixo para o relógio. Deu-se como um
êxtase diante de uma invenção tão revolucionária e capaz de, do seu braço,
governar o início e o fim do dia e da noite. Quase não dormiu nesses primeiros
dias, pois não queria perder o tempo, nem perder o controle sobre ele.
Foi durante esses cinco dias que o relógio passou a ocupar
sua mente de maneira tão intensa que até durante o sono ele ainda continuava a
se fazer presente, ditando o horário dos sonhos e o de acordar.
Começou a perceber, para sua tristeza, que estava deixando o
tempo passar, isso lá pelo sétimo dia. O cronometrado tempo ia deslizando do
seu pulso e escorregando pelas suas mãos como se ele não pudesse controlar.
Decidiu testar o poder do seu relógio e descobriu que na sua borda lateral
havia um botão. Com muito medo de o tempo parar, puxou o botão e, para seu
desespero, o ponteiro parou.
Sua mente era um turbilhão. Não sabia como ia fazer agora
para ter o controle do que fazia, pois não tinha mais o relógio nem a sensação de
controle que ele dava. Foi aí que descobriu, para o seu desespero, que o poder
do seu relógio não passava de um falso poder. O dia começou e terminou do mesmo
modo; a noite caiu e o dia amanheceu novamente. Foi até melhor, porque ele não
tinha mais a obrigação de ficar guardando o tempo.
Certo é que a sensação de perder o controle do tempo foi
angustiante no início. Vez por outra vinha aquela necessidade angustiante de
pegar o relógio e voltar a dominar o transcorrer dos horários. Mas não. Era melhor
não. Lembrava, para lidar com a angústia, que mais angustiante era ver o tempo
passar, sabendo tudo sobre ele, mas nada sobre como preenchê-lo. Porque quanto
mais contava, menos sentia, menos vivia e menos via o sol nascer e se por. Quem
fixa o olhar para o relógio se esquece de olhar para o céu e passa a ver apenas
as sombras, pois não consegue olhar diretamente para nada que não seja o tique-taque
dos ponteiros.
Tomou a difícil, porém libertadora decisão, de em nenhum
momento da vida comprar um relógio que fosse. Tinha medo de incorrer no mesmo
erro e deixar de viver para contar o tempo. Sabia que a tarefa seria ardorosa,
mas se conseguiu vencer o medo de puxar o botão de lado uma vez, iria suportar
não voltar a pressioná-lo. E assim o
fez. Até hoje não sabe que horas são. Criou sua própria hora e se desfaz dela
todo dia, para ela não passe a dominá-lo como um dia o tempo do relógio o
dominou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário