terça-feira, 17 de março de 2015

Nos ponteiros.

Quando ganhou seu primeiro relógio nunca imaginou que sua vida mudaria tanto. Era ainda uma criança, pouco preocupada com o transcorrer dos dias e das horas, mas depois do relógio, tudo mudou. O deslizar dos ponteiros, de forma sorrateira e rítmica, passou a dominar suas mente e, como consequência, adquiriu o hábito bizarro de cronometrar em pensamento cada comportamento seu.

Antes disso, porém, o encantamento com a máquina o fez passar cinco dias seguidos com o olhar fixo para o relógio. Deu-se como um êxtase diante de uma invenção tão revolucionária e capaz de, do seu braço, governar o início e o fim do dia e da noite. Quase não dormiu nesses primeiros dias, pois não queria perder o tempo, nem perder o controle sobre ele.

Foi durante esses cinco dias que o relógio passou a ocupar sua mente de maneira tão intensa que até durante o sono ele ainda continuava a se fazer presente, ditando o horário dos sonhos e o de acordar.

Começou a perceber, para sua tristeza, que estava deixando o tempo passar, isso lá pelo sétimo dia. O cronometrado tempo ia deslizando do seu pulso e escorregando pelas suas mãos como se ele não pudesse controlar. Decidiu testar o poder do seu relógio e descobriu que na sua borda lateral havia um botão. Com muito medo de o tempo parar, puxou o botão e, para seu desespero, o ponteiro parou.

Sua mente era um turbilhão. Não sabia como ia fazer agora para ter o controle do que fazia, pois não tinha mais o relógio nem a sensação de controle que ele dava. Foi aí que descobriu, para o seu desespero, que o poder do seu relógio não passava de um falso poder. O dia começou e terminou do mesmo modo; a noite caiu e o dia amanheceu novamente. Foi até melhor, porque ele não tinha mais a obrigação de ficar guardando o tempo.

Certo é que a sensação de perder o controle do tempo foi angustiante no início. Vez por outra vinha aquela necessidade angustiante de pegar o relógio e voltar a dominar o transcorrer dos horários. Mas não. Era melhor não. Lembrava, para lidar com a angústia, que mais angustiante era ver o tempo passar, sabendo tudo sobre ele, mas nada sobre como preenchê-lo. Porque quanto mais contava, menos sentia, menos vivia e menos via o sol nascer e se por. Quem fixa o olhar para o relógio se esquece de olhar para o céu e passa a ver apenas as sombras, pois não consegue olhar diretamente para nada que não seja o tique-taque dos ponteiros.


Tomou a difícil, porém libertadora decisão, de em nenhum momento da vida comprar um relógio que fosse. Tinha medo de incorrer no mesmo erro e deixar de viver para contar o tempo. Sabia que a tarefa seria ardorosa, mas se conseguiu vencer o medo de puxar o botão de lado uma vez, iria suportar não voltar a pressioná-lo.  E assim o fez. Até hoje não sabe que horas são. Criou sua própria hora e se desfaz dela todo dia, para ela não passe a dominá-lo como um dia o tempo do relógio o dominou. 

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