sábado, 6 de dezembro de 2014

No nosso lugar.

Não acreditava em Deus; não acreditava em nada que fosse sobrenatural. Tinha 16 anos de uma pretensa maturidade e de uma - mais pretensa ainda – racionalidade, que deixaria Descartes humilhado ante seus inatingíveis argumentos. Achava que sabia demais; que já havia lido e compreendido o suficiente do mundo. Considerava o seu tempo tão curto que não deveria perdê-lo dedicando-o a nenhuma leitura. Tudo parecia tão óbvio. 

Não há pensamento mais ingênuo do que aquele apenas capaz de enxergar a obviedade. Nada é tão óbvio que não necessite de uma melhor análise; de um melhor entendimento. A soberba que a pretensão do saber causa impede de olhar além, de sair do superficial. 

Não que hoje tenha conhecimento para sair do óbvio. Mas o olhar vai ficando treinado para visualizar distâncias que antes não pareciam existir. De fato, quanto mais superficial uma coisa, mais nítida ela se apresenta. Então, para ir mais longe, é preciso buscar o profundo que, ao contrário, é sombrio e sem foco. E é assim em todas as áreas da vida.

Não que hoje consiga superar a superficialidade sempre. O passar dos dias também ensina que nem tudo deve ser esmiuçado. Isso não é só um mecanismo de defesa inconsciente: às vezes é consciente mesmo. Você escolhe não dar importância, não querer dedicar tempo ou não ousar romper a membrana que separa o aparente do invisível. 

Agora, já acredita em “Deuses”- dos Orixás a Alá; já está na metade dos 50; já superou o mito da racionalidade e já se sente humilhado intelectualmente frente a qualquer texto de Foucault – que não escreve qualquer texto. Sempre acha que sabe de menos e procura intercalar a chatice do conteúdo programático das ementas, com leituras que ensinem, pois sabe que tem muitas e que está longe de sair do óbvio. 

Tudo isso pra dizer que o tempo tem o poder de nos colocar no nosso lugar. Tem o poder de nos ensinar a olhar o mundo de forma seletiva, a partir do nosso lugar, para sabermos o que deve ou não ter ressonância em nossa vida. O ideal é que seja assim. Nem sempre é. E, por mais que seja, nunca será o suficiente. Sempre teremos aquele impulso insuperável capaz de nos empurrar de volta a superficialidade: o cotidiano.

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